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segunda-feira, 26 de março de 2012

Comunistas chegam aos 90 anos com propostas semelhantes e estilos diferentes

Ideologia não se compra. Ideologia não se vende”.
Eliseu Alves de Oliveira, comunista centenário, presente à festa do PCB, no Rio de Janeiro.
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A bandeira do comunismo passa a tremular com mais vigor nos 90 anos de fundação do Partido
Há exatos 90 anos, um grupo de trabalhadores – eram 73 no país todo – fundava o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Era uma sexta-feira o dia 25 de março de 1922 quando, no início da tarde, encontraram-se o jornalista Astrojildo, o gráfico Pimenta, o contador Cordeiro, o sapateiro José Elias, os dois alfaiates, Cendon e Barbosa, o vassoureiro Luís Peres, o ferroviário Hermogênio “e ainda o barbeiro Nequete, que citava Lênin a três por dois”, como o descreveu o poeta Ferreira Goulart. Estavam em Niterói para o ato que, neste domingo, foi homenageado por outro grupo de comunistas. Desta vez, porém, só uma parte deles compareceu. A outra foi dormir tarde, na véspera, por conta da festa promovida para 2 mil pessoas, na maior casa de shows do Rio de Janeiro. Ambos os grupos sabem, com clareza, que os ideais de Karl Marx e Friedrich Engels estão mais atuais do que nunca e precisam ser implementados no país, de uma vez por todas. Divididos em um cisma, desde a década de 60, as duas metades da foice e do martelo até hoje não se entenderam e os estilos de fazer política, certamente, não combinam mais.
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Renato Rabelo é secretário-geral do Partido Comunista do Brasil
Na noite que antecedeu a chegada das nove décadas de existência do partido mais longevo na história republicana brasileira, o show de Martinho da Vila e um grupo de bambas no anfiteatro construído ao lado do Museu de Arte Moderna, no Parque do Flamengo, sucedeu o ato político ao qual compareceram as mais altas autoridades do país, com a presença virtual da presidenta Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em mensagens gravadas especialmente para o público que lotava as mesas e corredores em torno do palco, ao qual subiram os ministros Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência da República) e Aldo Rebelo (Esportes), o vice-governador do Estado, Luiz Fernando Pezão, o prefeito da cidade, Eduardo Paes, e demais convidados.
Dilma, em traje vermelho e sorriso pleno, derramou elogios sobre a atuação do partido que tem “sacudido velhas estruturas por um país soberano e com justiça social”. Em seguida, Lula estendeu seu abraço à militância e à direção partidária da legenda que o ajudou a superar os momentos mais difíceis de seus dois mandatos. Foram ovacionados. Intensidade semelhante de aplausos foi equivalente apenas ao discurso, de mais de mais de uma hora, do secretário-geral do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Renato Rabelo.
– Os comunistas atuam com o objetivo de, no governo que participamos, dar curso, com base na frente que o sustenta, de um Projeto Nacional com esse sentido. O PCdoB, mais ainda, está empenhado em dar a sua contribuição. Neste tempo presente é primordial distinguir nova oportunidade histórica e seguir caminho próprio, de mudança estrutural, não se limitando a remediar o impasse gerado pela grande crise do capitalismo – disse Rabelo.
Ainda segundo o líder comunista, “o desfecho dependerá da convicção e da vasta mobilização do povo de caminhar no rumo de um novo salto civilizatório na história da grande nação brasileira, que na concepção programática do PCdoB é a transição para uma sociedade superior – socialismo com a cara do Brasil”.
Rabelo lidera a militância que discordou, no passado, dos reformistas – aqueles que pregavam a “revolução democrática e nacional” e, por décadas, determinaram as alianças dos comunistas com setores da burguesia, tornando subalterno o papel do proletariado – e conclamaram a Reconstrução do PCB. Vanguardeados por quadros como Maurício Grabois, Pedro Pomar, João Amazonas, Calil Chade e outros, em 1962 é realizada a conferência de reconstrução, que resgata o nome histórico do partido e assume a sigla PCdoB para se diferenciar da legenda original, que permaneceria na busca de um entendimento com setores capitalistas da sociedade até a ruptura com o grupo que tentou extinguir, definitivamente, a legenda e formar o Partido Popular Socialista (PPS), hoje aliado à direita no país.
– O PCB fez parte de um momento de cisão do movimento comunista, que repercutiu no mundo e aqui no Brasil. Ele jogou seu papel naquele começo e o partido que era maior, que era o PCB, desapareceu. Transformou-se em PPS, um partido hoje atrelado aos tucanos. O que restou é um grupo pequeno, é mais uma seita política, não é um partido político. Não tem influência no curso político brasileiro. Na realidade, o PCB, esse que era maioria, definhou e desapareceu. Para o PCdoB, como nós dissemos aí, valeu a reorganização. (O PCdoB) foi o partido que enfrentou a ditadura, foi o partido que atraiu para as suas fileiras um conjunto de revolucionários sinceros – afirmou Rabelo.
Reconstrução Revolucionária
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O Partido Comunista Brasileiro reuniu a militância no auditório da ABI
Líder do grupo que resistiu à criação do PPS e evitou a extinção do PCB, advogado, bancário e secretário-geral do PCB, Ivan Martins Pinheiro não foi à festa promovida na véspera pela legenda dissidente. Neste domingo, fez uma visita ao local onde o Partidão foi fundado e depois participou de uma sessão solene da Câmara Municipal de Niterói, para receber a homenagem do vereador Gezivaldo Ribeiro de Freitas, o Renatinho, do Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL). Concluia, assim, uma semana inteira de atividades que teve seu zênite no ato público promovido na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), sexta-feira à noite, no Centro do Rio. Tanto na sala de espetáculos do Aterro do Flamengo, com a lotação esgotada para mais de 2 mil pessoas, quanto no antigo auditório do prédio dos jornalistas, a atmosfera transbordava o ideário socialista. Mas estavam cristalizadas as diferenças no estilo de fazer política.
Na chegada à casa de shows alugada pela organização do PCdoB, a retreta recepcionava os convidados, vestidos para festa, aos acordes de clássicos marciais dos mais variados, indo desde um pout pourri de Raul Seixas à The Washington Post March, embora executada com parcimônia por um dos clarinetistas, que a considerava “yankee demais” para o evento. Na ABI, o sagão do 9º andar estava tomado por livros marxistas e a edição doImprensa Popular, o jornal da Direção Nacional do PCB, era distribuída à vontade. Os convidados para o encontro, no lugar dos telões que, na sala de espetáculos trazia as mensagens da atual e do ex-presidente da República, em qualidade de cinema e surround sound, encontravam apenas um equipamento incipiente de vídeo que teimava algumas vezes em não seguir adiante na exibição mas, quando funcionava, era capaz de levar os quase mil partisans à beira das lágrimas, no depoimento de heróis da resistência à ditadura militar, durante o filme Fomos, somos e seremos comunistas.
A execução da Internacional Socialista, por Rildo Hora e sua cândida regência à platéia, durante o ato do PCdoB, comoveu igualmente o coração dos comunistas presentes à festa de sábado mas, na sexta-feira, a emoção veio mesmo da garganta daqueles que cantaram, à capela devido a um defeito no aparelho de som, o hino ao comunismo. Se uma garrafinha de água, na casa de shows, custava R$ 4, era de graça para os comunistas na ABI. Estes últimos também puderam saborear um cafezinho da casa, enquanto respiravam a odisséia de uma legenda que, embora dividida, aponta para o horizonte do socialismo no Brasil.
– Nós temos a vantagem de comemorar os 90 anos no momento em que o Partido readquire a sua vitalidade, após ter passado por um momento muito difícil na década de 90. Tenho que confessar que o Partido quase acabou nos anos 90, com o racha que houve na criação de um outro partido (o PPS) e a crise na União Soviética. Mas hoje estamos reconstruindo o PCB. Chamamos esse momento de Reconstrução Revolucionária. É importante dizer que não estamos propondo uma revolução armada. A expressão ‘revolucionária’, para nós, significa uma mudança profunda em âmbito econômico e social. Não acreditamos em maquiagens, em remendos no capitalismo. Propomos o rompimento com o sistema capitalista. É claro que não será obra nossa, mas de milhões de trabalhadores – afirmou o secretário-geral do PCB.
Janela de entendimento
Passadas nove décadas da fundação no Brasil e cinco de uma briga interna que abalou os alicerces do movimento comunista mundial, as condições para a união das esquerdas comunistas parece ter surgido em uma janela de tempo junto às forças progressistas, para o enfrentamento à direita brasileira. Longe, ainda, de qualquer aceno para uma negociação direta, tanto Rabelo, no PCdoB, quanto Ivan Pinheiro, no PCB, percebem que a Comissão da Verdade, instituída pela lei que visa passar a limpo a história da nação, enseja um esforço para que as vítimas da ditadura desvelem os seus algozes, abrigados nas castas abastecidas pelo capital internacional, com profundas raízes em grande parte da sociedade e ancorados no apoio da mídia conservadora que ignorou, solenemente, o aniversário de fundação do comunismo no Brasil.
– A Comissão da Verdade não é só um fator de aglutinação da esquerda, ela traz para nós, que cumprimos nosso papel, uma função importante, que é repor a história recente do Brasil, em um momento importante dessa história. A verdade é essencial para a história e para que a nação tenha orgulho de ser. Esconder a verdade significa ser uma nação frágil, sem futuro. Então, tem uma repercussão muito maior. Uma parte da sociedade, que hoje é uma minoria, pode ser contra vir à luz do dia a verdade. (Os militares aposentados, que assinaram um manifesto contra a Comissão da Verdade) fizeram o papel deles de interpretar a história, como sempre, pela ótica dominante. Procuraram esconder a verdade para as gerações futuras. Esse foi sempre o papel da classe dominante brasileira. Então, este é o papel dessa elite mais conservadora. O papel dela hoje, desesperadamente, é fazer o que fazia antes, quando tinha o poder na mão. É gente que está de pijama mesmo – disse Renato Rabelo.
A leitura do secretário-geral do PCdoB quanto ao momento histórico porque passa o Brasil e a necessidade de se trazer à tona os crimes cometidos por agentes da ditadura militar assemelha-se, em um corte longitudinal, ao discurso de Ivan Pinheiro. Para o comunista histórico, a verdade sobre os Anos de Chumbo poderá proporcionar o renascimento de “um caminho mais revolucionário e de mudanças profundas”. Segundo Pinheiro, em seu discurso de encerramento do ato político na ABI, o país somente evitará uma nova crise institucional no momento em que as forças de esquerda se unirem em torno da Comissão da Verdade, para que ela possa cumprir seu papel histórico.
Seja sob o brilho dos holofotes, na festa animada por artistas que simpatizam com o ideário comunista, seja no ambiente simples e austero da ABI, o comunismo chega às raias de seu primeiro século no Brasil com a perspectiva de um crescimento sem par na história republicana brasileira. “Há gente que acredita numa mudança, que tem posto em prática a mudança, que tem feito triunfar a mudança, que tem feito florescer a mudança. Caramba! A Primavera é inexorável”, conclui Pablo Neruda, no poema Os Comunistas, difundido nas publicações que encheram este domingo de festa, apesar das diferenças, tanto para o PCB quanto para o PCdoB.


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