Gorette Brandão, Ricardo Koiti Koshimizu
O crime de enriquecimento ilícito poderá ser incluído na legislação penal brasileira para punir servidores públicos que acumulem patrimônio em padrão incompatível com sua remuneração ou outras fontes lícitas de renda. Depois de intenso debate na manhã desta segunda-feira (23), a Comissão Especial de Juristas instituída pela Presidência do Senado para apresentar um anteprojeto de novo Código Penal decidiu tipificar o delito e sugerir a aplicação de pena de reclusão de um a cinco anos, além do confisco dos bens e valores.
- É um momento histórico na luta contra a corrupção no Brasil: criminalizamos a conduta do funcionário público que enrique sem que se saiba como, aquele que entra pobre e sai rico. Agora temos um tipo penal esperando por ele – comemorou ao fim da reunião o relator da comissão, procurador Luiz Carlos Gonçalves.
Na opinião do relator, o país necessita da previsão do crime de enriquecimento ilícito para avançar no combate à corrupção com efetividade, atendendo um “clamor social”. Conforme disse, é uma forma de alcançar o servidor com patrimônio incompatível com o que ganha licitamente, quando o crime anterior - normalmente a corrupção - ficou de fora do alcance da lei.
- A corrupção é um crime que acontece às escondidas, nos corredores mal iluminados. Quem compra um funcionário público e quem se deixa comprar não quer contar para ninguém. O que nos fizemos foi alcançar a conseqüência desta compra ilícita – argumentou.
Nos crimes contra administração, temática da pauta do dia da comissão de juristas, a legislação adota conceito abrangente de funcionário público. O conceito serve a pessoa que exerça qualquer cargo, emprego ou função pública, em qualquer nível ou Poder, inclusive para quem exerce atividade de forma temporária ou cargo eletivo.
Laranja
Como previsto pela comissão, a pena para enriquecimento ilícito ainda será aumentada, da metade do tempo até dois terços, quando o autor do crime usar nome de terceira pessoa para esconder os bens ou valores obtidos de forma criminosa. Ou seja, pegará pena maior quem usar o popular ‘laranja’ para ocultar patrimônio obtido de forma ilícita.
No processo, o ônus da prova ou demonstração de incompatibilidade entre renda e patrimônio será da acusação e denúncia deverá ser feita via representação Ministério Público. Manter inalterado o ônus da prova foi ponto defendido por alguns debatedores como garantia para evitar acusações infundadas. A redação para definir o novo tipo também exigiu cuidadosa negociação, para evitar situações arbitrárias.
Tratados internacionais
Assim que o debate foi iniciado, a inovação foi defendida pelo presidente da comissão, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp. Ele salientou que o crime de enriquecimento ilícito é previsto em convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a Corrupção. Lembrou que também há um tratado no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA).
- Temos que dar efetividade aos tratados e convenções internacionais – apelou o ministro, salientando que os protocolos foram ratificados pelo Congresso, contando com força de lei.
O advogado Nabor Bulhões foi quem mais resistiu à inclusão do novo tipo penal na legislação brasileira. Conforme Bulhões, a doutrina jurídica não comporta a conduta agora sugerida: o enriquecimento ilícito seria a consequência material de crime anterior (por exemplo, a corrupção). Portanto, o novo tipo seria uma distorção, podendo ser definido como “crime de mera suspeita”.
- O enriquecimento ilícito é o resultado de crime, e não um crime em si – argumentou.
Bulhões disse que teve o cuidado de examinar a legislação de diferentes nações, tendo comprovado que nenhum país da Comunidade Européia tipificou esse crime. Conforme o advogado, os Estados Unidos e o Canadá assumiram a mesma conduta. O ministro Dipp, por sua vez, observou que praticamente todos os países latino-americanos já possuem o novo tipo penal. A seu ver, nada impede o Brasil de seguir o mesmo caminho.
- É uma opção política do legislador – opinou o ministro.
Corrupção ativa e passiva
Outra medida incluída no anteprojeto é o fim da distinção entre os crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos, de um lado, e aqueles cometidos por particulares, de outro. A medida foi proposta pelo relator Luiz Carlos Gonçalves.
O relator lembrou quea distinção data de 1940 e resultou na “cisão” entre os crimes de corrupção passiva (praticada por funcionário público) e de corrupção ativa (praticada por particular), que seriam na verdade "condutas de colaboração umas com as outras”.
– Essa distinção é sede de confusão e não se justifica. É uma tradição que mais atrapalha do que ajuda – disse.
Para Luiz Flávio Gomes, que também é integrante da comissão de juristas, o fim da distinção tornaria mais fáceis o entendimento e a aplicação da lei.
Luiza Nagib Eluf, por outro lado, afirma que a mudança proposta por Luiz Carlos também pode levar a confusões. Ela não é contra o fim da distinção entre corrupção ativa e passiva, mas receia que o novo texto “misture o crime de corrupção, seja passiva ou ativa, com o crime de concussão”. O código atual distingue corrupção ativa, corrupção passiva e concussão. Luiza argumentou que corrupção e concussão são figuras distintas que não devem ficar no mesmo artigo.
– Tem de ficar claro que a concussão é uma extorsão praticada pelo funcionário público contra o particular, que é a vítima – argumentou.
O risco, segundo ela, é induzir a opinião pública a acreditar que o particular também é culpado no crime de concussão, que é uma extorsão praticada pelo funcionário público.
Agência Senado
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